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Crônica: De mudança...


Tudo começou quando o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre) solicitou a retirada da minha casa no canteiro central da Avenida Carlos Hugueney. Isso abalou os ânimos de todo mundo aqui da cozinha. A tia chapada passou mais tempo gritando e esquentada, o tiozinho prensa ficou meio desnorteado e só vivia fazendo pressão em cima de todo mundo, querendo saber se aquilo era verdade. E eu, bom, eu continuei catando informações de todos da varanda.

Desde que fui comprado, servi muitas mesas, muita gente já passou por aqui, já me usaram, me apertaram e bateram no meu bumbum para ir mais rápido. Vivo ouvindo histórias, já passei na mão do mais pobrinho até o mais rico, de pessoas sóbrias e alteradas, de velhinhos e crianças. Por isso tenho um bom relacionamento, quase todo mundo gosta de mim e até disputam para me ter nas mãos.

Engraçado que, sem nunca ter saído daqui, já conheço a cidade toda, as belezas, os problemas, os estudantes, os doutores, os presos, os padres, os pastores, os boatos, as fofocas, as traições, os namoros, os amigos e os inimigos. Isso só de ouvir, só de prestar atenção, só de estar lá enquanto eles se alimentam e se divertem.

Eita que eu me distraio muito na minha conversa. Como eu estava contando, vamos ter que nos mudar, procurar um novo lugar para continuar recebendo as visitas. Ainda não sei pra onde vamos, o nosso patrão é cheio de amigos e de bom relacionamento, mas nem ele sabe direito que rumo tomaremos, mas tudo tem um jeito.

O fato é que temos história, tradição, isso até pra um vidro de ketchup, como eu. Todo mundo nos conhece como a cidade dos lanchinhos na avenida. Ouvi dizer que estavam querendo nos levar para outro ponto turístico da cidade que é a Praça do Praia, mas isso foram conversas. Esses tempos pra trás houve uma reunião com o prefeito, ficamos sabendo que haveria sorteios de alguns pontos da cidade para nos mudar, com chapa, mala e cuia.

Enquanto nada é resolvido, ficamos aqui, dentro de uma das várias lanchonetes da avenida, buscando soluções para nossos problemas, ouvindo histórias, conhecendo gente, sendo cordial e estando sempre pronto para servir. Imaginando quão bela são as cachoeiras, quão difícil é a vida dos moradores de bairros distantes e quão lindo e vasto é o nosso Mato Grosso.

Reportagem publicada na 3ª edição do Jornal JÁ - Outubro de 2015.

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